Por acaso, o Cinéfilo Preguiçoso conhece bem duas zonas cinematográficas de Lisboa: durante dez anos viveu em Telheiras, bairro que costuma figurar nos filmes de João Nicolau e Miguel Gomes; e actualmente vive em Alvalade, bairro frequentado e/ou filmado, no passado, por realizadores como Paulo Rocha, João César Monteiro e Fernando Lopes, e, no presente, por João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, que aí moram também. A ideia inicial de Onde Fica Esta Rua? ou Sem Antes nem Depois (João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, 2022), visto no Doclisboa, foi replicar os planos de Os Verdes Anos (Paulo Rocha, 1963) nos mesmos espaços (principalmente em Alvalade, mas não só), como são agora, numa reflexão sobre o que resta do cinema quando são suprimidas as personagens e a narrativa e permanece a memória destas. O facto de o início da rodagem ter coincidido com o princípio da pandemia e do primeiro confinamento em Portugal acrescentou mais uma camada ao filme. Onde Fica Esta Rua?, portanto, investiga Lisboa também durante um episódio da nossa História recente, que nos revelou a cidade tal como ela é, temporariamente liberta do ramerrame dos transeuntes e dos turistas, num sossego inquietante. Os Verdes Anos, apesar de tantas vezes ser descrito em tom hiperbólico e pomposo como uma espécie de símbolo do novo cinema português, fazendo temer o pior, é um filme surpreendentemente ágil e escorreito sobre uma relação que acaba mal entre um rapaz que vem do campo e uma rapariga já integrada na cidade. É interessante ver a sua influência na obra de um cineasta mais barroco, como João Pedro Rodrigues, que aqui assume uma maior contenção, filmando uma cidade em suspenso, povoada por pequenos incidentes encenados que parecem embriões ou vestígios de narrativa, e percorrida por Isabel Ruth, protagonista do filme de Paulo Rocha. Os espectadores podem dar por si a recordar Querido Diário (Nanni Moretti, 1993), um filme muito diferente, mas em que também se explora uma cidade vazia (Roma no Verão) que é amada por um realizador. Sem dúvida, terá sido este movimento de errância espaciotemporal a suscitar os elogios que Laurie Anderson fez ao filme durante o Festival de Locarno, provavelmente mesmo sem conhecer o filme de Paulo Rocha. Outro filme muito diferente, mas com pontos de contacto, é Son nom de Venise dans Calcutta désert (1976), em que Marguerite Duras sobrepõe a banda sonora e os diálogos de India Song (1975) a cenários diferentes, abandonados e degradados. Onde Fica Esta Rua? é um filme comovente, que nos revela o passado e o presente dentro do cinema e fora dele, aliando o prazer da repetição ao prazer do reconhecimento, ao mesmo tempo que mostra como estes podem dar lugar à criação de um novo objecto artístico.
Ler também: O Ornitólogo (João Pedro Rodrigues, 2016).