Visto no cinema, Aftersun (Charlotte Wells, 2022) acompanha um pai de trinta anos (Calum/Paul Mescal) e uma filha de onze (Sophie/Frankie Corio) que passam férias numa estância turística da Turquia no fim dos anos 1990, conforme recordado pela protagonista cerca de vinte anos mais tarde. É um filme sobre processar recordações e imagens, algumas das quais captadas por meio das câmaras de vídeo que na altura se usavam, com os movimentos bruscos e os pontos de interesse tantas vezes aleatórios que caracterizavam estes registos “para mais tarde recordar”. Seguimos o olhar sempre em movimento da protagonista, que, entre a infância e a adolescência, procura a sua própria identidade e autonomia através de proximidades e distâncias em relação às pessoas em redor, sobretudo em relação ao pai, de quem é muito próxima. (Os versos iniciais da canção “Losing My Religion”, que a dada altura canta no karaoke, expressam bem esta ideia: “Oh life is bigger/It's bigger than you/And you are not me”.) Entre estas imagens, nem sempre percebemos bem o que estamos a ver: por exemplo, o que acontece realmente na noite em que os dois protagonistas se separam, o pai adormece no quarto e a filha só consegue regressar porque o recepcionista lhe abre a porta? O filme é exímio a captar percepções parciais, nomeadamente a compreensão imperfeita, por parte da filha, das dimensões mais misteriosas da figura paterna e das intimações da morte que rodeiam esta personagem. Calum é filmado através de portas, como reflexo no espelho ou no ecrã de televisão, semiobscurecido e entrecortado pelas luzes de uma rave, ou até engolido pela escuridão do mar. Em algumas cenas, sem isso ser explorado através de um dramatismo sobrecarregado, percebemos que há nele uma vertente depressiva acentuada, que, como muitas depressões perigosas, não é explicada. Paul Mescal adquiriu fama planetária como protagonista da série Normal People (adaptação de um livro de Sally Rooney), mas neste filme tem uma personagem muito mais subtil, entre a alegria e uma tristeza quase mortífera, e o seu desempenho é decisivo para o interesse com que o espectador segue a acção. Por explorar não só os temas das férias e do luto, mas também a noção de imagem como sensação, Aftersun lembra bastante Morvern Callar (Lynne Ramsay, 2002), também filmado por uma realizadora escocesa, mas talvez se destaque mais devido ao inquestionável carisma dos protagonistas. Aftersun é uma longa-metragem interessante, que estabelece uma tensão subtil entre o tempo da acção e o tempo da evocação, por parte da protagonista adulta. Ignoramos o que se passou entre esses dois momentos, mas a angústia associada à incapacidade de conhecermos verdadeiramente aqueles que nos são próximos sobressai com nitidez. Este filme recebeu numerosos elogios e prémios, e até uma nomeação para o Óscar de melhor actor principal; tem suscitado grande entusiasmo, mas ainda não se percebe bem tudo o que a realizadora poderá fazer depois desta longa-metragem de estreia.