Todd Field é um caso curioso dentro do cinema norte-americano. Começou por se destacar como actor: muitos recordar-se-ão dele na pele do pianista Nick Nightingale em Eyes Wide Shut (1999), de Stanley Kubrick. Em paralelo, foi realizando curtas-metragens e, a partir do início do século XXI, dedicou-se quase a tempo inteiro à carreira de realizador. A duas longas-metragens muito elogiadas (In the Bedroom, de 2001, e Little Children, de 2006), seguiu-se um hiato de quinze anos. Apesar de ter sido associado a projectos de adaptação de obras de autores como Cormac McCarthy e Jonathan Franzen, o seu novo filme parte de um argumento totalmente original, escrito pelo próprio Field. Tár (2022) tem como protagonista a maestrina Lydia Tár, que, no auge da carreira, está à frente da Filarmónica de Berlim e ensaia a quinta sinfonia de Mahler, para terminar a gravação integral das sinfonias deste compositor. Este filme já foi descrito quer como uma exploração do tema do poder, quer como uma ilustração dos efeitos da cancel culture e das redes sociais num meio artístico que, hegemonicamente dominado por homens brancos, tem sido afectado por escândalos que envolvem abusos hierárquicos, assédio e orientações políticas malvistas. Estas descrições não são inadequadas, mas Tár é muito mais do que isso. O poder e os abusos são abordados como fenómenos complexos e recíprocos, que, longe de emanarem apenas de um chefe de orquestra tirânico, estão entranhados na sociedade e resultam dos mecanismos de vigilância e policiamento de crenças e opiniões cada vez mais implacáveis. Lydia Tár não é nem uma vítima inocente nem um monstro: é uma mulher dotada do carácter obstinado que é indispensável para singrar no mundo proibitivamente competitivo da música clássica. Field parece menos apostado em denunciar do que em encontrar maneiras de respeitar a personalidade da personagem que criou, e fá-lo mostrando plena confiança no enorme talento de Cate Blanchett. A actriz controla o tempo do filme do princípio ao fim, desde as cenas longas do início (entrevista e aula numa escola de música) até à sequência vertiginosa de viagens, encontros e episódios avulsos após a sua queda em desgraça. O filme pode ser visto como uma partitura. Tal como afirma Leonard Bernstein, uma das inspirações de Lydia Tár, o significado da música confunde-se com a impressão que esta causa em cada um dos ouvintes. Tár é uma obra de arte complexa que afecta cada um de maneira diferente, independentemente das leituras políticas ou sociológicas que é possível extrair do filme. O papel do realizador, como o do maestro, é servir de intermediário entre a intenção artística original e a subjectividade do espectador. Esta equação, que obriga a um equilíbrio delicado entre a individualidade do artista e o respeito pela inteligência daqueles a quem este se dirige, é resolvida de forma muito inteligente por Field. Tár ressente-se um pouco da intenção de fazer justiça às numerosas facetas da personagem, o que o leva a ocasionalmente a dar a impressão de alguma superficialidade. Ainda assim, a impressão final é de que se trata de um filme amplamente conseguido, que possui, entre outros, um grande mérito: em vez das certezas e posições firmes que alguns prefeririam, é um objecto ambíguo e vivo que perdura e nos incita à reflexão.