O Cinéfilo Preguiçoso tem pensado na obra, na biografia e nos Diários e Cadernos de Patricia Highsmith (livro de que em breve sairá uma tradução na Relógio D’Água). O documentário Loving Highsmith (2022), da realizadora suíça Eva Vitija, está disponível na plataforma Filmin e é uma boa introdução ao universo da escritora. Sem se desviar muito da ordem cronológica, a realizadora articula imagens de entrevistas a Highsmith, excertos de adaptações cinematográficas da sua obra, citações dos livros, depoimentos de pessoas que conviveram com ela, fotografias e vídeos caseiros, desenhando um retrato desta escritora enigmática e complexa. Para alguém que conheça bem a sua biografia e os seus Diários e Cadernos, os excertos das entrevistas a Highsmith são, sem dúvida, os elementos mais interessantes deste documentário. Quando se sabe como ela detestava dar entrevistas, é uma boa surpresa encontrá-la nas casas onde viveu, captar um vislumbre dos seus gatos, ver as suas expressões, perceber a tensão do seu corpo, ouvir a sua voz e testemunhar o seu esforço para dar respostas inteligentes e sem lugares-comuns mesmo às perguntas mais desinteressantes. Nestas imagens, recolhemos sobre ela informação preciosa, que não encontramos em mais lugar nenhum. Os depoimentos, nomeadamente de algumas mulheres com quem teve relações amorosas, são interessantes para a caracterização histórica de um contexto que empurrava os homossexuais para a clandestinidade, acabando por inspirar formas alternativas de expressão da orientação sexual tanto na esfera social como na artística. A identificação de Highsmith com Ripley, a sua personagem mais famosa, parece limitativa, na medida em que a vida e a obra da escritora são bem mais amplas do que esta personagem, por muito fascinante que seja. Aliás, a maior fraqueza do documentário é a parcialidade do retrato da escritora. Não são referidas várias mulheres que, como amantes, amigas e mentoras, desempenharam um papel decisivo na sua vida. Pior, não se explica que Highsmith também teve relações longas (ou breves) e confusas com alguns homens, tendo até posto a hipótese de casar com um ou outro – também pelo facto de, naquela época, ser mais fácil viver como mulher lésbica casada com um homem do que sem marido. Fora do filme ficou também outro elemento importantíssimo sobre a autora, por ela própria omitido durante grande parte da vida: a circunstância de ter trabalhado durante muitos anos como guionista de banda desenhada – e note-se que a fluidez e a nitidez de alguns dos seus romances e contos mostram bem que ela aprendeu alguma coisa com esta experiência profissional. Loving Highsmith traça um retrato interessante desta escritora que, apesar de ter sido considerada menor enquanto viveu, tem sobrevivido ao tempo, ajudando a perceber os nossos medos e cobardias, como Wim Wenders disse. É um retrato parcial e incompleto, mas Highsmith foi uma figura tão rica e misteriosa, que ainda haverá muito a descobrir sobre ela, inclusivamente no que toca ao seu interesse por artes visuais.