Em Uma Mulher Sob Influência (John Cassavetes, 1974), temos um verdadeiro estudo da doença mental – no seu contexto e nos seus sinais, sintomas e efeitos. Mabel (Gena Rowlands) e Nick Longhetti (Peter Falk) interpretam um casal de classe operária vulnerável a este problema, no seio de uma família disfuncional. O mais interessante neste filme é o modo como Cassavetes revela e explora a dificuldade de definir fronteiras nítidas neste género de doenças. Sem dúvida, há uma protagonista, mas toda a família faz parte do problema e é afectada por ele, acabando por replicar e ampliar, com as suas próprias acções e reacções, o comportamento da personagem principal. Nem sempre é possível distinguir as características da doença dos traços das personagens; tão-pouco são imediatamente nítidas as distinções entre comportamentos simplesmente excêntricos e comportamentos perigosos. A doença mental é retratada como uma intensificação das características mais idiossincráticas de cada personagem e, portanto, também intensifica a teatralidade de todas as situações. Há quem se queixe do dramatismo excessivo deste filme e o descreva como uma experiência violenta (Richard Dreyfuss terá dito que, quando chegou a casa, vindo do cinema, teve de ir vomitar – comentário que aumentou a afluência do público), mas, se sentimos esta teatralidade como excessiva e artificial, isso também se deve ao facto de Cassavetes não aceitar nenhuma das convenções narrativas e cinematográficas que costumam definir a verosimilhança. Em Uma Mulher Sob Influência, o desenrolar da acção é indissociável de todos os trejeitos, tiques, esgares, maneirismos, gritos, gestos bruscos e contorções físicas e emocionais das personagens. E, na verdade, esta teatralidade excessiva é típica de muitas doenças mentais; portanto, pode-se dizer que o realizador abdica das convenções do realismo para se aproximar da realidade. O talento de Gena Rowlands é evidente na capacidade de construir uma personagem em que reconhecemos imediatamente pessoas com este tipo de doença – e não só mulheres. (Aliás, já alguém disse que, de certa forma, é Gena Rowlands, não o actor principal, quem costuma desempenhar o papel mais próximo do próprio Cassavetes nos filmes deste realizador.) O fim de Uma Mulher Sob Influência é particularmente interessante, na medida em que explora a abolição de mais uma fronteira: quando ficam finalmente sozinhos e fecham a porta envidraçada através da qual continuamos a observá-los, os protagonistas parecem transformar-se gradualmente nos actores, enquanto estes, apaziguados e perdendo aos poucos a tensão dos papéis que desempenham, arrumam o quarto, que assume lentamente o estatuto de cenário. Este final chama a atenção para o facto de tudo ter sido uma representação, e sublinha que desempenhamos papéis não só no cinema, mas também na vida, ao mesmo tempo que lembra que pode ser difícil simplesmente “sermos nós mesmos”, como Nick incita Mabel a fazer neste filme, tal como, em Rostos (John Cassavetes, 1968), também Richard incitara Jeannie a fazer.
Outros filmes de John Cassavetes no Cinéfilo Preguiçoso: Sombras (1959); Rostos (1968).