O Cinéfilo Preguiçoso queixa-se frequentemente dos atrasos e falsos alarmes em que a distribuição cinematográfica portuguesa é fértil. Desta vez, há que saudar a rapidez com que Céu em Chamas (2023) estreou em sala, poucos dias após a antestreia no LEFFEST. Neste filme, talvez mais do que em qualquer outra das suas nove longas-metragens anteriores, Christian Petzold justifica a comparação com Éric Rohmer que com excessiva ligeireza é feita a respeito de qualquer cineasta que faça filmes de enredo aparentemente simples, repletos de conversas sobre relações humanas. O filme decorre quase exclusivamente numa casa de férias à beira-mar, ocupada, no princípio do Verão, por dois amigos (Leon e Felix) e por Nadja, cuja presença inesperada perturba as rotinas que as personagens masculinas pretendiam estabelecer. A aproximação a A Coleccionadora (Éric Rohmer, 1967) é evidente, embora neste filme as personagens quisessem entregar-se ao ócio, ao passo que em Céu em Chamas os dois amigos vêm para trabalhar. Leon (Thomas Schubert), em particular, debate-se com o manuscrito de um livro e isso parece retirar-lhe por completo a acuidade de julgamento em relação aos que o rodeiam, assim como a capacidade de sentir empatia. O enredo consiste numa sucessão de episódios em que estas características negativas de Leon emergem, por vezes de uma forma quase caricatural que desequilibra ligeiramente o filme. O espectador é convidado a deduzir que a fraca qualidade do livro que prepara, e que o seu editor acaba por recusar, se deve a este alheamento emocional e à inaptidão para prestar atenção aos outros. O contraste com Felix, que constrói um portefólio com base em fotografias de pessoas que encontra na praia, é gritante. Ao contrário do amigo, Leon não consegue olhar para o próximo, um pouco à maneira de outras personagens petzoldianas cuja conduta é determinada por uma singular falta de clarividência – pensemos no protagonista masculino de Phoenix (2014), incapaz de reconhecer a própria mulher. Os incêndios florestais que são mencionados e avistados ao longe contribuem, em paralelo com as fricções e conflitos entre Leon e as outras personagens, para criar um ambiente nos antípodas do idílio que o cenário e a época estival prometeriam. O epílogo de Céu em Chamas, na sequência do desenlace trágico de uma tentativa de fuga ao fogo, sugere que o enredo do filme coincide com a história do livro que Leon terá escrito mais tarde, para tentar redimir-se do romance falhado. Esta interpretação leva-nos a questionar a veracidade dos eventos a que assistimos, como acontece em relação a outros filmes em que o ofício de escritor da personagem nos faz perguntar onde fica a fronteira entre a efabulação e a realidade – por exemplo, Swimming Pool (François Ozon, 2003). Este epílogo, que parece uma tentativa de fechar a história mostrando que Leon conseguiu usar a experiência como plataforma para crescer enquanto artista, contrasta com a ambígua cena final do reencontro com Nadja. Esta conjunção soa um pouco a falso, como se Petzold quisesse ao mesmo tempo atar pontas soltas, mas deixando tudo em aberto quanto à evolução da relação entre as personagens principais. O Cinéfilo Preguiçoso não tem sido avaro em reparos cépticos sobre os últimos filmes de Petzold, por estes parecerem hesitar entre registos e temas. Talvez seja uma boa altura para deixar claro que nada disto belisca nem a convicção de que este realizador é um dos mais consistentemente interessantes do cinema contemporâneo, nem a expectativa em relação às próximas obras.