8 de julho de 2018

Fahrenheit 451


Em A Livraria, o filme que o Cinéfilo Preguiçoso viu na semana passada, uma das personagens (Edmund Brundish, interpretado por Bill Nighy) descobre um interesse pelos livros de Ray Bradbury graças à livreira de quem se aproximou. Este facto incitou ao visionamento de Fahrenheit 451 (traduzido em português por Grau de Destruição), o único filme em língua inglesa de François Truffaut, realizado em 1966 e baseado no romance homónimo de Bradbury. Ironicamente, enquanto o misantropo Edmund Brundish queimava as badanas e páginas dos livros que lia se delas constasse alguma informação biográfica sobre o autor, Montag, a personagem principal de Fahrenheit 451 (interpretado por Oskar Werner), começa a interessar-se pelos livros, que tem de destruir pelo fogo por motivos profissionais, quando descobre que “por detrás de cada livro existe um homem”. O filme retrata uma sociedade opressiva e distópica, onde os livros são proibidos e incinerados depois de apreendidos. Nunca é dada qualquer explicação para tal, a não ser banalidades como “Os livros tornam as pessoas tristes”, e a desproporção entre os meios usados e o carácter inócuo de muitos dos livros que são devorados pelas chamas (onde se incluem, por exemplo, um dicionário de palavras cruzadas em espanhol…), que poderia ter sido explorada no plano da caricatura, fragiliza o filme. Fahrenheit 451 é um filme demasiado linear e superficial para correr o risco de alguma vez ser enumerado entre os pontos altos da filmografia de Truffaut: os diálogos são demasiado esquemáticos, as interpretações de Werner e Julie Christie são pouco mais do que competentes (a opção de atribuir a esta última o duplo papel da mulher de Montag e da vizinha que o atrai para a causa dos rebeldes é difícil de compreender), e o filme raramente se afasta de um tom meramente ilustrativo, com um punhado de achados visuais e narrativos mais conseguidos aqui e além. As cenas finais, passadas entre os dissidentes que memorizam livros para os preservar, estão entre as mais conseguidas: a transmissão de um texto de Stevenson de um moribundo para um rapaz que o escuta no meio de uma tempestade de neve possui um pathos simples e poderoso, demasiado escasso no resto do filme.