22 de julho de 2018

Lenny


Visto em DVD, Lenny (1974), de Bob Fosse, podia ser mais interessante. Com um argumento de Julian Barry, que adapta uma peça da sua própria autoria, este filme baseia-se na vida do cómico Lenny Bruce (1915-1966), encarnado por Dustin Hoffman. Talvez por se tratar de um assunto que dá pano para mangas, Lenny padece do problema de querer fazer demasiadas coisas ao mesmo tempo: biografar o protagonista; entrevistar os familiares e amigos próximos, num arremedo de documentário; mostrar o artista em acto, nos espectáculos; traçar um retrato histórico e social da atmosfera dos Estados Unidos naquele período, etc. O resultado é um filme relevante, mas pesadíssimo, com alguns momentos desnecessariamente convencionais, quase de telenovela, que deixam a sensação de que já vimos coisas muito parecidas em filmes mais bem conseguidos. Quem conhecer uma obra-prima como All That Jazz (1979), do mesmo Bob Fosse, ficará um pouco surpreendido com este peso, ambição (no mau sentido) e seriedade. É difícil também não estabelecer uma comparação com outros filmes sobre comediantes, como o brilhante Man on the Moon (1999), de Milos Forman, que consegue despertar interesse pela personalidade riquíssima e desconcertante de Andy Kaufman sem descurar a biografia. Talvez o aspecto mais interessante de Lenny seja a abordagem à questão da obscenidade, sobretudo agora que os Estados Unidos (e não só) vivem tempos em que parecem interessados em recuperar o policiamento da moral e dos bons costumes: Lenny Bruce não só tocava em temas controversos (racismo, homossexualidade) durante as suas actuações, como também foi várias vezes preso por supostamente usar «palavras contra a lei» («cocksucker» é um exemplo). Vale a pena ver como tentava dar a volta a esta questão nos espectáculos, sempre com a polícia presente, e também como este assunto acabou por ocupar um lugar determinante na sua vida, ao ponto de quase se transformar numa obsessão, tanto devido à frequência com que era preso, como também pelo empenhamento com que defendeu a liberdade de expressão, chegando a assumir a sua própria defesa em tribunal. O relativo fracasso de Lenny sugere que Fosse se sentia claramente mais à vontade em filmes onde o elemento musical é preponderante, como All That Jazz e Cabaret (1972), as longas-metragens realizadas imediatamente depois e antes desta e que são os pontos altos da sua obra como realizador. Note-se também  que os cinco filmes que Fosse realizou são indissociáveis da sua carreira longa e marcante como coreógrafo, encenador e actor.