Visto
em DVD, Lenny (1974), de Bob Fosse,
podia ser mais interessante. Com um argumento de Julian Barry, que adapta uma
peça da sua própria autoria, este filme baseia-se na vida do cómico Lenny Bruce
(1915-1966), encarnado por Dustin Hoffman. Talvez por se tratar de um assunto
que dá pano para mangas, Lenny padece
do problema de querer fazer demasiadas coisas ao mesmo tempo: biografar o
protagonista; entrevistar os familiares e amigos próximos, num arremedo de documentário;
mostrar o artista em acto, nos espectáculos; traçar um retrato histórico e
social da atmosfera dos Estados Unidos naquele período, etc. O resultado é um
filme relevante, mas pesadíssimo, com alguns momentos desnecessariamente
convencionais, quase de telenovela, que deixam a sensação de que já vimos
coisas muito parecidas em filmes mais bem conseguidos. Quem conhecer uma
obra-prima como All That Jazz (1979),
do mesmo Bob Fosse, ficará um pouco surpreendido com este peso, ambição (no mau
sentido) e seriedade. É difícil também não estabelecer uma comparação com outros
filmes sobre comediantes, como o brilhante Man
on the Moon (1999), de Milos Forman, que consegue despertar interesse pela personalidade
riquíssima e desconcertante de Andy Kaufman sem descurar a biografia. Talvez o aspecto
mais interessante de Lenny seja a
abordagem à questão da obscenidade, sobretudo agora que os Estados Unidos (e
não só) vivem tempos em que parecem interessados em recuperar o policiamento da
moral e dos bons costumes: Lenny Bruce não só tocava em temas controversos
(racismo, homossexualidade) durante as suas actuações, como também foi várias vezes
preso por supostamente usar «palavras contra a lei» («cocksucker» é um
exemplo). Vale a pena ver como tentava dar a volta a esta questão nos
espectáculos, sempre com a polícia presente, e também como este assunto acabou
por ocupar um lugar determinante na sua vida, ao ponto de quase se transformar
numa obsessão, tanto devido à frequência com que era preso, como também pelo
empenhamento com que defendeu a liberdade de expressão, chegando a assumir a
sua própria defesa em tribunal. O relativo fracasso de Lenny sugere que Fosse se sentia claramente mais à vontade em
filmes onde o elemento musical é preponderante, como All That Jazz e Cabaret
(1972), as longas-metragens realizadas imediatamente depois e antes desta e que
são os pontos altos da sua obra como realizador. Note-se também que os cinco filmes que Fosse realizou são
indissociáveis da sua carreira longa e marcante como coreógrafo, encenador e
actor.