Se
dúvidas houvesse, a retrospectiva organizada pela
Cinemateca demonstrou aos espectadores portugueses que Hong Sang-Soo é, inquestionavelmente, um dos grandes cineastas contemporâneos. É verdade que certos elementos
recorrentes nos filmes deste realizador mais conhecidos em Portugal – a
insistência nas coincidências, numa estrutura em espelho com imperfeições e
numa certa superficialidade que afinal é só aparente – podem gerar alguma exasperação
e um certo cepticismo. Nesta retrospectiva, no entanto, passaram filmes que nos
forneceram uma imagem mais completa da sua obra, ajudando-nos a compreendê-la
melhor. Um deles foi Conto de Cinema (2005), que deixou claro que as
metades dos filmes de Hong Sang-Soo são emparelhadas para mostrar que os
acontecimentos da vida, mais do que serem determinados por elos causais,
decorrem ao som de uma espécie de música do acaso composta por ecos e
repetições. Poderíamos até dizer que, em Hong Sang-Soo, o cinema ajuda a
sobreviver na medida em que repete impulsos para a morte (figurados, em Conto
de Cinema, nas tentativas de suicídio e nas doenças quase mortais de
algumas personagens) para os sublimar. Conto de Cinema é um filme sobre a necessidade de
deixarmos para trás precisamente as coisas que se repetem, se queremos viver
melhor. Dir-se-ia que Hong Sang-Soo repete para “perceber melhor o filme” e depois reformular a música dos acontecimentos.
Mais recente, também Hotel à Beira-Rio (2018), último filme do realizador até à data, nos revelou uma faceta
diferente da sua obra, apontando para novos caminhos. Neste caso, as repetições
e os ecos (evidentes na organização das personagens secundárias em dois pares) são
integrados na estrutura do filme sem divisões, não implicando a habitual
fragmentação em metades sucessivas. Um poeta, preocupado com a morte apesar de
parecer de boa saúde, convoca os seus dois filhos para um encontro num hotel
misterioso onde está hospedado. No mesmo sítio estão alojadas duas raparigas que
funcionam como uma espécie de coro ao longo do filme, acompanhando de longe o
protagonista (com quem falam poucas vezes, incluindo num momento belíssimo numa
paisagem cheia de neve acabada de cair) e comentando os acontecimentos, sem
nunca interagirem com as outras personagens. Não há nada de superficial neste
filme, embora tudo nele seja simples. As próprias conversas entre pai e filhos,
na medida em que correspondem a uma espécie de balanço da vida do primeiro, são
comoventes na sua tranquilidade e sabedoria e justificam a comparação com Ozu
que por vezes é feita quando se discute o cinema de Hong. Os equívocos
e o desassossego dos filmes anteriores do realizador foram assimilados. Aqui
está tudo reduzido ao essencial, como se pelo menos este protagonista de Hong
Sang-Soo tivesse percebido bem o filme em que participa – algo que o
protagonista de Conto de Cinema se esforçava por fazer, com sucesso
medíocre. Como pode um
filme tão simples ter tanto impacto visual e emocional? Prodígios do cinema!
Outros
filmes de Hong Sang-Soo no Cinéfilo Preguiçoso: A Virgem Desnudada pelos Seus Pretendentes (2000); The Day He Arrives (2011); Haewon e os Homens (2013); Right Now, Wrong Then (2015); On the Beach at Night Alone (2017); O Dia Seguinte (2017).