O Cinéfilo Preguiçoso nunca tinha visto Heat – Cidade Sob Pressão (Michael Mann, 1995), mas, recordado deste título por uma lista dos melhores filmes dos anos noventa, viu-o esta semana (em DVD). Em Abril (1998), a personagem de Nanni Moretti descreve Heat à mãe mais ou menos com estas palavras: é um filme sobre um polícia e um criminoso, o criminoso mata trezentas pessoas, depois os dois encontram-se e comentam: somos iguais, amamos a nossa profissão. Com efeito, há vários elementos infantis, estereotipados e convencionais em Heat, embora não seja tão mau como o Cinéfilo Preguiçoso imaginava. O filme deu que falar por reunir pela primeira vez dois actores icónicos: Al Pacino e Robert De Niro já tinham participado no mesmo filme (O Padrinho – Parte II), mas as respectivas personagens viviam em épocas diferentes e nunca se encontravam. Em Heat, Al Pacino é o polícia que persegue Robert De Niro, um especialista em assaltos a bancos e carrinhas de transporte de valores. Al Pacino cultiva o seu registo habitual (gritaria e histrionismo, para os que antipatizam com ele), Robert De Niro assume uma personagem maximamente perfeccionista que lhe permite ser o mais contido possível. Como Moretti salienta ironicamente, Michael Mann explora a ideia de que um é o reverso do outro; são ambos obcecados com o que fazem e não se imaginam noutra vida; os colaboradores são encarados praticamente como família; as mulheres com que vivem, em vez de serem coadjuvantes, são uma espécie de oponentes, pelo facto de tentarem arrastá-los para uma existência vagamente normal, quando eles, na verdade, não se interessam por mais nada a não ser pela profissão (embora seja graças à lealdade da mulher que a personagem de Val Kilmer acaba por escapar à detenção); de vez em quando há umas tiradas supostamente líricas sobre estes modos de vida. Apesar de o enredo de Heat ter sido inspirado por acontecimentos reais, as personagens são quase metacinematográficas, na medida em que lembram mais figuras de outros filmes com temáticas equivalentes do que pessoas de carne e osso. Já vimos tudo isto até à exaustão em vários filmes americanos, incluindo o companheirismo viril entre parceiros do crime, a identificação quase mórbida entre presa e perseguidor, e o desejo de evasão e regeneração por parte do criminoso, adiado por um último trabalho que acaba por ser fatal e proporcionar uma cena final grandiosa. Heat é sempre melhor quando as personagens fazem coisas, em vez de fingirem que têm psicologia. Michael Mann é exímio a explorar o espaço onde os actores se movem: Los Angeles, enquanto cidade de espaços interiores e exteriores em que há sempre alguém a vigiar alguém, não só desempenha um papel importante, como é uma das personagens mais interessantes do filme. Por este motivo, as pessoas que gostam de cidades, mesmo que não tenham grande paciência para os arquétipos simplistas de algum cinema americano, poderão ter a surpresa de gostar deste filme.