Há muito tempo que o Cinéfilo Preguiçoso segue a carreira do realizador e actor francês Emmanuel Mouret, e por isso claro que aproveitou a oportunidade de ver a sua longa-metragem mais recente na Festa do Cinema Francês deste ano. O enredo de As Coisas que Dizemos, as Coisas que Fazemos (2020) assenta nas histórias contadas por um homem e uma mulher, para passarem o tempo enquanto esperam pelo regresso de uma terceira personagem, marido dela e primo dele. As histórias relatam desventuras sentimentais que têm um denominador comum: a circunstância de a paixão, em vez de ser desencadeada pelas afinidades entre duas pessoas ou pela atracção romântica, ser suscitada pela compulsão de imitar. Nestas histórias, o atributo mais atraente do ser amado é o facto de ser amado por um terceiro, por isso o amor acaba por ser um acto de imitação. Este é o postulado da teoria do desejo mimético, exposta pelo filósofo René Girard, que o filme identifica explicitamente através das imagens de um documentário em que uma das personagens trabalha. Mouret tem o mérito de evitar que o filme redunde em mera exposição ilustrativa ou caia no pedantismo. A fluidez da narrativa, a qualidade dos diálogos, o doseamento da ironia e da comédia, o trabalho dos actores (todos muito bons, talvez com ligeiro destaque para Émilie Dequenne, a Rosetta dos irmãos Dardenne), mostram um cineasta em plena maturidade e com a mestria necessária para construir um filme coeso e intelectualmente estimulante. Para aferir da dificuldade da tarefa, compare-se este filme com O Meu Tio da América (1980), um dos menos conseguidos da longa e brilhante filmografia de Alain Resnais, que, cruzando a ficção com exposições teóricas sobre o comportamento humano (baseadas no trabalho do biólogo e filósofo Henri Laborit), resulta forçado e árido. Acrescente-se que As Coisas que Dizemos, as Coisas que Fazemos é o filme de Mouret que mais justifica as comparações com Éric Rohmer, dispensadas com tanta leviandade nos tempos que correm, e isto essencialmente por duas razões. Em primeiro lugar, a segurança com que o realizador explora os espaços físicos (interiores, ambiente urbano, natureza) que servem de palco aos longos diálogos demonstra que é um digno discípulo de Rohmer, um dos mais geniais encenadores da palavra oral da história do cinema, na medida em que também Mouret valoriza o diálogo através das movimentações das personagens no espaço. Em segundo lugar, tal como o autor de A Minha Noite em Casa de Maud (1969) e Conto de Primavera (1990), Mouret explora a coexistência permanente, dentro da mesma personagem, de, por um lado, um desejo potencialmente perturbador e, por outro, da compulsão para reflectir e falar sobre os mecanismos por trás desse desejo. É duvidoso que estes desejos de ordem mental e ética facilitem o acesso à felicidade, mas o final de As Coisas que Dizemos, as Coisas que Fazemos parece sugerir um certo apaziguamento, que se sobrepõe à falta de uma união entre almas gémeas predestinadas a encontrarem-se, como prescreve o receituário romântico. A estreia comercial deste filme, um dos mais interessantes que o Cinéfilo Preguiçoso viu este ano, está prevista para o dia 25 de Novembro. Resta-nos desejar que os circuitos de distribuição e os festivais continuem a trazer-nos notícias de Emmanuel Mouret.
Outro filme de Emmanuel Mouret no Cinéfilo Preguiçoso: Caprice (2015).