A vertente mais interessante de A Metamorfose dos Pássaros (Catarina Vasconcelos, 2020) é aquela em que se processa a investigação de uma família através dos seus objectos e imagens. É um filme que pensa e faz pensar com imagens, o que nem sempre acontece no cinema actual, e só por isso vale a pena vê-lo. A reflexão visual de A Metamorfose dos Pássaros é muitíssimo mais empolgante do que a reflexão verbal. Num dos aforismos do livro Autres Rhumbs, a propósito das «forças de atracção que chamam para os seus abismos», Paul Valéry chama a atenção para os perigos do «demasiado belo» e do «demasiado triste», dois problemas que prejudicam A Metamorfose dos Pássaros. Sobretudo na primeira metade do filme, a omnipresença da voz-off, quase sempre no mesmo tom sentimental, cultivando alguns lugares-comuns sem distanciamento e sem tensão emocional, torna-se cansativa, a ponto de a dada altura o espectador deixar de conseguir prestar atenção às palavras. É inevitável recordarmos imediatamente dois outros filmes portugueses com algumas proximidades com este, mas que resolvem dificuldades semelhantes de maneira mais feliz. Em Ruínas (Manuel Mozos, 2009), as imagens também são acompanhadas por leitura de cartas em voz-off, mas o uso irónico que se faz desta componente torna o filme mais complexo e cativante. No cinema português recente, talvez o título com que A Metamorfose dos Pássaros tem mais afinidades seja A Toca do Lobo (Catarina Mourão, 2015), um filme que também é sobre a memória e os objectos de uma família e que consegue ser tão ou mais comovente e inspirador do que o filme de Catarina Vasconcelos ao explorar estas duas facetas sem sobrecarga de metáforas, adoptando um modo objectivo e nunca cedendo a qualquer tentação de sentimentalismo. Apesar destas reservas, A Metamorfose dos Pássaros deixa o espectador motivado para seguir de perto a carreira futura desta realizadora, visto que demonstra um talento evidente para a composição visual e uma vontade de explorar a fronteira entre documentário e ficção que lhe permitirão fazer coisas muito interessantes.