O Cinéfilo Preguiçoso gostou muito de Columbus (2017), a primeira longa-metragem de Kogonada, por isso ficou entusiasmado quando percebeu que ia estrear em sala A Vida depois de Yang (2021), segunda longa-metragem deste realizador. Este filme passa-se no futuro e adapta o conto de ficção científica “Saying Goodbye to Yang”, da antologia Children of the New World de Alexander Weinstein, sobre um casal que adoptou uma criança de origem chinesa e ao mesmo tempo adquiriu um andróide cultural para a acompanhar e transmitir informação sobre a sua cultura de origem. Esta situação permite explorar numerosos temas que já vimos bastante maltratados noutros filmes: ficção científica sobre robôs, com alguns ecos de Blade Runner (Ridley Scott, 1982); a adopção; o outro, o expatriado, o clone; o luto, a fragilidade da existência, a importância da construção de memórias partilhadas e o que acontece depois da morte. Em A Vida depois de Yang, no entanto, graças aos diálogos e aos percursos das personagens, estes assuntos não são tratados com superficialidade. É precisamente na multiplicidade temática que reside a riqueza do filme e das personagens, que, apesar de serem misteriosas, não são tratadas como meros mistérios a desvendar. A crítica associa Kogonada a Ozu e Kiarostami, sem dúvida influências importantes, que se notam sobretudo na atenção prestada ao espaço e no rigor da composição dos planos. No entanto, para esta segunda longa-metragem – que em inglês tem o título After Yang –, ele identifica como influência mais directa o filme After Life (1998), de Hirokazu Kore-eda, em que as personagens têm de escolher uma única recordação para guardar depois da morte. O andróide Yang distingue-se pelo facto de vir equipado com uma memória que todos os dias lhe permite reter uns poucos momentos que considera importantes. Esta memória, por um lado, torna-o um objecto de estudo interessante para o museu de tecnologia, na medida em que permite investigar aquilo a que os robôs atribuem importância; por outro, quando Yang deixa de funcionar, permite à família fazer o luto e conhecer melhor uma forma de vida próxima, mas distinta da humana. As personagens definem-se através das diferenças que têm em relação umas às outras, mas a diferença é tratada como mais-valia complementar, não como factor de ruído e perturbação. (A dada altura, uma personagem comenta: porque havia uma forma de vida diferente de desejar ser humana?) A repetição e os contrastes entre as memórias de Yang e dos pais são dos momentos mais invulgares deste filme – e talvez também aqueles em que há mais cinema, na medida em que em mais nenhum lado encontraríamos sequências assim. Ao mesmo tempo, chamam a atenção para o papel da memória quando se vê um filme, assumindo uma vertente metacinematográfica que sugere que a nossa humanidade é indissociável da tecnologia do cinema e do modo como vemos filmes. Se em Columbus tínhamos um filho que fazia o luto do pai percorrendo espaços em que prestava atenção a elementos arquitectónicos que costumam passar despercebidos, como se fossem invisíveis, em A Vida depois de Yang encontramos uma família que faz o luto de um filho ou irmão revisitando as coisas passageiras e frágeis que tinham ignorado ou praticamente esquecido. A segunda longa-metragem de Kogonada podia ter corrido bastante mal, mas é um filme contido e dotado de uma subtileza rara.