O Cinéfilo Preguiçoso conhece o 13.º bairro de Paris e gosta dos livros de Adrian Tomine, por isso sentia bastante curiosidade de ver o filme Paris 13 (2021), de Jacques Audiard, que se passa nessa zona da cidade e adapta três histórias deste cartoonista norte-americano. A acção desenrola-se quase integralmente num quarteirão chamado "Les Olympiades", que é aliás o título original do filme. Este núcleo urbanístico é composto por arranha-céus de habitação baptizados com nomes alusivos ao movimento olímpico (México, Helsínquia ou Tóquio, por exemplo) e que, em vez de comunicarem directamente com a rua, estão unidos ao nível térreo por um pátio comum, onde existem lojas e serviços. Esta configuração, pouco comum em Paris, onde a regra é a dualidade simples entre o prédio e a rua, é bem aproveitada no filme. A vida de bairro parisiense, tão abundantemente explorada por realizadores como Rohmer, Truffaut e tantos outros, adquire aqui um carácter algo claustrofóbico: as Olympiades funcionam como uma cidade dentro da cidade grande e isso condiciona os encontros e as rotinas das personagens. Em contrapartida, este isolamento, combinado com a dimensão dos edifícios, transmite uma sensação de euforia associada ao anonimato, que equivale à possibilidade de construir uma identidade e, se necessário, refazer a própria vida. O filme, aliás, é marcado pelo tema do recomeço. As três personagens principais mudam de ocupação durante o filme, e, apesar de nenhuma destas mudanças ser descrita como particularmente traumatizante, estas circunstâncias compõem um pano de fundo de alteridade e instabilidade, que, além de ser tristemente actual, condiciona as acções das personagens, em particular os afastamentos e reencontros sucessivos das duas personagens principais – interpretações deveras conseguidas de Lucie Zhang e Makita Samba, muito justamente nomeados para os Césares. Os enredos em si não fogem à banalidade: funcionam melhor como base de narrativas gráficas breves do que como matéria para um argumento de longa-metragem. Nota-se o esforço dos argumentistas para dar mais espessura e carga dramática a situações que as dispensariam. Por exemplo, a relação entre Nora (Noémie Merlant) e a sua sósia (Jehnny Beth), vedeta de um chat pornográfico, que no livro de Tomine é o corolário breve de uma história de identidades trocadas, é prolongada um pouco artificialmente. Um dos méritos de Paris 13 é explorar as maneiras como os problemas da habitação e do trabalho afectam inevitavelmente a vida pessoal e amorosa. Esta faceta insere-se numa tradição, muito enraizada no cinema francês, de incorporação de temas sociológicos na ficção. Apesar de inegáveis insuficiências e desequilíbrios, Paris 13 é um filme que se vê com interesse e agrado. Duas menções finais para a notável banda sonora composta por Rone e para a presença de Céline Sciamma (que, aliás, tinha dirigido Noémie Merlant em 2019 no excelente Retrato de Rapariga em Chamas) na equipa de argumentistas.