Last Night in Soho (Edgar Wright, 2021) teve um percurso demasiado breve pelas salas de cinema portuguesas. Na altura, o Cinéfilo Preguiçoso não foi a tempo de ver, mas procurou-o agora no videoclube, por ter certas características e explorar alguns temas que costumam interessar-lhe. O filme acompanha Eloise (Thomasin McKenzie), uma rapariga de dezoito anos que se muda da Cornualha para Londres para estudar moda. Eloise é uma rapariga peculiar porque tem visões relacionadas com o passado (por exemplo, vê frequentemente a mãe, que se suicidou). O seu imaginário artístico é inspirado pelos relatos da mãe e da avó sobre Londres nos anos 60 e pelos discos dessa época que herdou. Quando se instala num quarto de uma casa do Soho, Eloise entra numa espécie de túnel temporal que lhe permite captar uma história trágica que se terá desenrolado nesse quarto e nessa zona, envolvendo uma jovem cantora a tentar singrar num meio profundamente misógino e corrupto. A ideia de que várias épocas podem coexistir no mesmo lugar permite a Wright explorar simultaneamente o Soho tal como é agora, o Soho como foi nos anos 60, e também uma versão imaginária do Soho que vai buscar aos filmes, fotografias e música dessa época. Entre as principais influências que Wright cita estão filmes como Peeping Tom (Michael Powell, 1960), O Criado (Joseph Losey, 1963), Blow-Up (Antonioni, 1965) e Repulsa (Roman Polanski, 1965). Neste último, temos precisamente uma rapariga em desintegração psicológica. Além destas influências directas, os espectadores recordam imediatamente realizadores como Brian De Palma, Kubrick e até Jordan Peele, ou as séries de Dennis Potter, como Lipstick On Your Collar. Ou seja, tal como Eloise capta fantasmas de outras épocas, também os espectadores captam fantasmas de outros filmes quando vêem Last Night in Soho. Wright recupera assim a relação histórica que o cinema tem com a actividade de captação de fantasmas. Visualmente, Last Night in Soho é um filme interessante (a ponto de se tornar decorativo), com uma excelente banda sonora, que joga com a memória cinéfila dos espectadores, graças também a um impressionante elenco que combina estrelas do passado (Terence Stamp, Rita Tushingham, Diana Rigg – que morreu pouco depois e teve aqui o seu último desempenho em filme) e do presente (Anya Taylor-Joy, Matt Smith). Infelizmente, no entanto, Wright não tem o pulso necessário para produzir uma síntese verdadeiramente pessoal a partir de todas estas influências e ideias tão fortes. Last Night in Soho oscila entre o drama psicológico, o filme de terror, a vontade de estilização e a ironia, sem se decidir por nenhuma destas correntes. Falha mais quando explora alguns lugares-comuns dos filmes de terror (aqueles fantasmas esverdeados e sem rosto que aparecem por todo o lado!...). Perto do fim, uma das personagens tem uma tirada longa que explica e normaliza toda a história, mas, se o filme tivesse sido realmente conseguido, esse relato teria sido escusado. Ainda assim, Last Night in Soho é um filme que muitos cinéfilos gostarão de ver, podendo interessar também a aficionados de Londres, dos anos 60 e de questões como a memória dos lugares.