C’mon C’mon (2021), a quarta longa-metragem de Mike Mills, infelizmente, não estreou nas salas portuguesas, mas já está disponível nos videoclubes das operadoras de telecomunicações. Acompanhamos o breve intervalo na vida de Jesse (Woody Norman), quando fica a cargo de Johnny (Joaquin Phoenix), seu tio, porque a mãe (Gaby Hoffmann) tem de tratar do pai, que sofre de doença bipolar. C’mon C’mon, apesar de explorar a relação entre crianças e adultos, e filhos e pais, não é o típico filme em que uma criança mostra a um adulto uma perspectiva diferente, assim desencadeando uma reconciliação intergeracional, que muitas vezes soa a falso. O próprio realizador o descreve como uma obra não narrativa, na medida em que não apresenta conflito, causalidade, transformação das personagens nem manipulação de sentimentos. Segundo Mike Mills, C’mon C’mon é antes um misto de documentário e história arquetípica. Johnny trabalha na rádio e tem de viajar por diferentes cidades americanas para gravar entrevistas com crianças e adolescentes sobre questões relacionadas com a história e o futuro. Esta vertente documental não explica nem comenta a história principal, mas contamina-a com a sua errância, além de chamar a atenção para a possibilidade de preservação de pensamentos e momentos efémeros, como faz o próprio Jesse também, quando capta os sons das cidades que percorre com o tio. A banda sonora de Bryce e Aaron Dessner (nossos conhecidos dos The National) reforça o carácter deambulatório deste filme. O preto e branco talvez o torne mais abstracto e próximo da fábula. Como o próprio Mike Mills salienta, duas das influências principais de C’mon C’mon são Alice nas Cidades (Wim Wenders, 1974), que também é uma espécie de road movie a preto e branco em que o protagonista fica com uma criança a seu cargo; e o trabalho de Gordon Willis, director de fotografia da trilogia O Padrinho e de alguns filmes de Woody Allen, como Annie Hall, Interiors, Manhattan e Stardust Memories, que serve de referência ao director de fotografia Robbie Ryan (o qual, por sua vez, também trabalhou em filmes como American Honey ou A Favorita, sendo colaborador frequente de Noah Baumbach). Não vale a pena, portanto, ver C’mon C’mon com as expectativas que habitualmente levamos para o cinema. É um filme sobre vidas individuais, mas que alterna entre interiores e exteriores, combinando o particular e o universal, através de, por um lado, conversas íntimas em quartos, casas de banho e salas de estar, incluindo longos diálogos telefónicos à distância entre Johnny e a irmã, e, por outro, sequências na rua e outros espaços públicos, dotadas de uma dimensão quase cósmica, graças à forma como são filmadas. Está próximo do estatuto de experiência sensorial: apesar de se assistir a uma evolução das relações entre as personagens, esse não é o fulcro do filme. Trata-se mais de atravessar aqueles espaços, conversas e leituras sobre a passagem do tempo do que de assistir ao desenrolar e desenlace de uma história.
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