Os argumentos dos thrillers psicológicos costumam agrupar-se em duas grandes famílias: aqueles que contêm uma sucessão de revelações e reviravoltas, jogando com a credulidade dos espectadores; e os que optam pela linearidade e pela acumulação da tensão, resolvida numa única revelação final. A Partir de Uma História Verdadeira (2017), de Roman Polanski, gravado num canal de televisão, baseia-se num romance de Delphine de Vigan com o mesmo título e pertence à segunda categoria. Neste filme com argumento do próprio Polanski em colaboração com Olivier Assayas, a personagem principal, Delphine (Emmanuelle Seigner), é uma escritora que obteve um grande êxito com o seu último romance, baseado na vida da sua mãe. Atormentada por um bloqueio criativo e por uma corrente de cartas anónimas, claramente incapaz de lidar com as pressões inerentes ao sucesso literário, Delphine refugia-se na reclusão, cortando todos os contactos sociais à excepção de Elle (Eva Green), uma admiradora e escritora especializada em biografias de famosos. A amizade entre as duas mulheres rapidamente evolui para uma dependência doentia cujo factor predominante é a insistência, da parte de Elle, em que Delphine se dedique à escrita do seu novo livro, o “livro absoluto” que será capaz de produzir se se abstrair das mundanidades do universo jornalístico e editorial. O final do filme é, por um lado, surpreendente; por outro, alinhado com uma certa tradição de filmes que exploram os temas da criação literária, da relação entre escritores e leitores, e das obsessões e perversões que esta relação pode gerar, por exemplo Swimming Pool (François Ozon, 2003) e Misery (Rob Reiner, 1990). Polanski realiza este filme com brio e competência, num registo essencialmente realista, embora com breves sequências oníricas ou subjectivas para sugerir o transtorno mental de Delphine e sublinhar que estamos sempre a ver os acontecimentos do seu ponto de vista. A Partir de Uma História Verdadeira não dá pretexto a críticas contundentes, mas dificilmente suscitará grande entusiasmo: é um filme mediano e coerente com o percurso artístico de Polanski, que foi muito marcado, desde a estreia na longa-metragem (A Faca na Água, 1962), pelo interesse em personagens que surgem não se sabe de onde, para perturbar uma situação de equilíbrio. A comparação – óbvia – com The Ghost Writer (2010), não pode deixar de ser favorável ao segundo, bem mais intenso e cativante. Em suma, A Partir de Uma História Verdadeira é um filme típico de Polanski no que toca ao tema e aos interesses, mas surpreendentemente isento de qualidades que lhe garantam um lugar na memória cinéfila.
Outro filme de Roman Polanski no Cinéfilo Preguiçoso: J'Accuse (2019).