O Cinéfilo Preguiçoso continua a ver filmes gravados na televisão. É interessante comparar Fúria de Viver (Rebel Without a Cause), realizado por Nicholas Ray em 1955, com filmes sobre adolescentes estreados nos anos 80, como The Breakfast Club (John Hughes, 1985) e St. Elmo’s Fire (Joel Schumacher, 1985). Nos anos 50, a especificidade da adolescência ainda não era reconhecida: esperava-se que as crianças se transformassem directamente em adultos, e qualquer atraso nesse processo era visto com impaciência e incompreensão. Fúria de Viver retrata bem os traumas e as contradições inerentes a este amadurecimento forçado. As três personagens principais têm em comum relações complexas com os pais e a necessidade de descobrirem e assimilarem rapidamente alguns conceitos (como o amor, a coragem ou a honra) que acreditam ser moeda corrente no mundo dos adultos. Este percurso de descoberta é comprimido num período pouco superior a vinte e quatro horas, que coincide com o primeiro dia de aulas de Jim (James Dean) no liceu onde também estudam Judy (Natalie Wood) e John, conhecido como “Plato” (Sal Mineo). Há vários elementos datados neste filme: por exemplo, a coreografia das cenas de zaragata ou tropelias juvenis (que fazem lembrar West Side Story, Robert Wise/Jerome Robbins, 1961, a tal ponto que estamos sempre à espera de que alguém comece a cantar), ou a relação entre Jim e o pai, mostrada à luz de códigos de masculinidade que nos parecem, hoje em dia, ultrapassados. O filme vale sobretudo pela sequência inicial na esquadra, onde as personagens se conhecem (uma lição magistral de realização e montagem), e pelo belíssimo final em que Jim, Judy e Plato, formando um triângulo complexo, partilham momentos idílicos e carregados de simbolismo numa casa abandonada, antes do desfecho dramático no planetário. O tema do “fim do mundo” é omnipresente em Fúria de Viver, e de facto o que vemos é uma despedida ao mundo da infância e uma entrada abrupta na idade adulta. A metáfora cósmica, que poderia tornar-se ridícula em mãos menos competentes, é tratada por Ray com contenção e sensibilidade. Fúria de Viver pode parecer menos realista e menos sensível às particularidades da adolescência do que outros filmes que vieram mais tarde, depois do nascimento do rock e da contracultura dos anos 60, mas é inevitável que assim seja. Tem algo de premonitório por ser um “teen movie” quando ainda não havia nem “teens”, nem a liberdade de prolongar por vários anos o trajecto de aprendizagem que dá acesso ao mundo adulto, à vida que irá suceder ao que todos percebem tratar-se de um mero preâmbulo. Essa angústia percorre todo o filme e confere-lhe um impacto muito para lá do estatuto mítico de James Dean, que morreu vinte e sete dias antes da estreia.
Outros filmes de Nicholas Ray no Cinéfilo Preguiçoso: In a Lonely Place (1950), On Dangerous Ground (1952).