28 de fevereiro de 2021

O Filme de Oki

Não querendo deixar escapar totalmente esta ocasião em que três filmes de Hong Sang-Soo estão disponíveis no videoclube de uma operadora de telecomunicações, o Cinéfilo Preguiçoso viu mais um filme deste realizador: O Filme de Oki (2010). Oki é a protagonista, uma estudante de cinema que se relaciona quase ao mesmo tempo com um aluno/realizador/professor da mesma idade que ela e um professor/realizador mais velho. O filme divide-se em quatro partes, cada uma com o seu genérico, que mostram várias fases da evolução deste triângulo e parecem filmadas a partir das perspectivas das diferentes personagens, mas podem ter sido fabricadas só pela personagem feminina. Como é característico de Hong Sang-Soo, presta-se atenção sobretudo às conversas, aos desentendimentos, às coincidências, às superficialidades e aos pecadilhos das personagens, mas a característica mais distintiva e mais interessante de O Filme de Oki é a sua vertente metacinematográfica – explorada com grande ironia. Nas quatro partes temos momentos em que se discute o cinema e a vida. Na primeira, o professor mais jovem transmite a uma aluna ligeiramente indignada alguns lugares-comuns sobre a arte de fazer cinema: «A tua sinceridade precisa da sua própria forma. A forma levarteá à verdade. Contála tal como se apresenta não te permitirá atingila.» Mas o momento mais hilariante é a sessão de perguntas e respostas depois da projecção do filme deste professor. Já estivemos em sessões parecidas (embora talvez com realizadores menos alcoolizados), onde ouvimos muitas vezes respostas como: «Eu só fiz o filme, não tinha nenhum tema em mente; o meu filme é parecido com o processo de conhecer pessoas […] espero que possa ser tão complexo como uma coisa viva.» Na terceira parte, em que, depois de uma tempestade de neve, as três personagens se encontram numa aula em que mais ninguém aparece, quando o professor dá liberdade total aos alunos para o interrogarem sobre a vida e a arte, os diálogos são igualmente hilariantes e estereotipados, fazendo lembrar máximas de auto-ajuda. Na quarta parte, no entanto, supostamente um filme de escola realizado e comentado em voz-off pela própria Oki, temos uma surpresa. A protagonista põe em paralelo a experiência de visitar o mesmo monte em dois Invernos, com um intervalo de dois anos, uma vez com «o homem mais velho» e a outra com «o homem mais novo». Nesta altura percebemos bem as proximidades e distâncias entre as duas personagens masculinas, suspeitamos que também as três partes anteriores podem ter sido realizadas por Oki, e ouvimos talvez o comentário metacinematográfico menos irónico do filme: «As coisas da vida repetemse com diferenças que não consigo compreender. Queria ver as duas experiências lado a lado. Escolhi estes actores pela sua semelhança com as pessoas reais. Mas os efeitos dessa semelhança podem reduzir o efeito de montagem das duas experiências verídicas.» Estas palavras, as últimas que se ouvem no filme, sugerem proximidades tanto entre a arte e a vida como entre as personagens e as pessoas; o cinema de Hong Sang-Soo traduz essas semelhanças em formas que às vezes as convertem noutras coisas, tal como, em O Filme de Oki, cada parte se transforma na seguinte ou na anterior, mostrando-a de uma perspectiva diferente, que nunca é definitiva nem auto-suficiente.

 

Outros filmes de Hong Sang-Soo no Cinéfilo Preguiçoso: A Virgem Desnudada pelos Seus Pretendentes (2000); Conto de Cinema (2005); The Day He Arrives (2011); Haewon e os Homens (2013); Right Now, Wrong Then (2015); On the Beach at Night Alone (2017); O Dia Seguinte (2017); Hotel à Beira-Rio (2018); A Mulher que Fugiu (2020).