25 de novembro de 2018

Em Trânsito


Esta semana, ainda no contexto do Lisbon & Sintra Film Festival, o Cinéfilo Preguiçoso viu o filme Em Trânsito (2018), de Christian Petzold. Adaptando o romance epónimo (1944) de Anna Seghers, Petzold, como muitas vezes acontece nos seus filmes, situou a acção numa dimensão temporal ambígua – na cidade de Marselha actual, mas sem telemóveis nem computadores, e deixando personagens exiladas que procuram fugir à Segunda Guerra Mundial conviver com os refugiados dos nossos dias. Vendo este filme sem conhecer o nome do realizador, não seria difícil adivinhá-lo. Visualmente, os filmes de Petzold são sempre interessantes. As imagens têm uma nitidez impressionante. Encontramos personagens com emoções fortes mas controladas, tensas, alerta, prontas para partir e envergando um guarda-roupa intemporal, adequado às instabilidades das viagens; há sempre fugas, ausências, desaparecimentos, identidades trocadas, percursos interrompidos, reviravoltas, suicídios e fantasmas. Todos estes elementos vão impondo um distanciamento que neste filme é exacerbado pela sua dimensão declaradamente literária: além de o protagonista transportar e ler o último manuscrito de um escritor morto cuja identidade assumirá, temos uma narração em voz-off que só perto do fim do filme ganha corpo. A própria protagonista, encarnada por Paula Beer, nossa conhecida do filme Frantz (François Ozon, 2016), é uma figura fantasmagórica, caracterizada com o mesmo cabelo e o mesmo guarda-roupa com que Nina Hoss costuma aparecer nos filmes de Petzold. Por todos estes motivos, Em Trânsito é um filme que satisfaz o espectador habitual do cinema deste autor. Contudo, o conflito entre os diferentes níveis de distanciamento leva a que não possa ser considerado completamente conseguido, apesar de ser inegavelmente intenso e poderoso. Resta saber quanto tempo mais Petzold conseguirá insistir nestas características sem começar a cansar tanto os que o seguem com interesse, como a si próprio.

Outros filmes de Christian Petzold no Cinéfilo Preguiçoso: Yella (2007); Barbara (2012); Phoenix (2014).