Esta
semana, ainda no contexto do Lisbon & Sintra Film Festival, o Cinéfilo
Preguiçoso viu o filme Em Trânsito
(2018), de Christian Petzold. Adaptando o romance epónimo (1944) de Anna
Seghers, Petzold, como muitas vezes acontece nos seus filmes, situou a acção numa
dimensão temporal ambígua – na cidade de Marselha actual, mas sem telemóveis
nem computadores, e deixando personagens exiladas que procuram fugir à Segunda
Guerra Mundial conviver com os refugiados dos nossos dias. Vendo este filme sem
conhecer o nome do realizador, não seria difícil adivinhá-lo. Visualmente, os
filmes de Petzold são sempre interessantes. As imagens têm uma nitidez impressionante.
Encontramos personagens com emoções fortes mas controladas, tensas, alerta,
prontas para partir e envergando um guarda-roupa intemporal, adequado às
instabilidades das viagens; há sempre fugas, ausências, desaparecimentos,
identidades trocadas, percursos interrompidos, reviravoltas, suicídios e
fantasmas. Todos estes elementos vão impondo um distanciamento que neste filme
é exacerbado pela sua dimensão declaradamente literária: além de o protagonista
transportar e ler o último manuscrito de um escritor morto cuja
identidade assumirá, temos uma narração em voz-off que só perto do fim do filme ganha corpo.
A própria protagonista, encarnada por Paula Beer, nossa conhecida do filme Frantz (François Ozon, 2016), é uma
figura fantasmagórica, caracterizada com o mesmo cabelo e o mesmo
guarda-roupa com que Nina Hoss costuma aparecer nos filmes de Petzold. Por
todos estes motivos, Em Trânsito é um
filme que satisfaz o espectador habitual do cinema deste autor. Contudo, o conflito
entre os diferentes níveis de distanciamento leva a que não possa ser
considerado completamente conseguido, apesar de ser inegavelmente intenso e
poderoso. Resta saber quanto tempo mais Petzold conseguirá insistir nestas
características sem começar a cansar tanto os que o seguem com interesse, como
a si próprio.