O
Cinéfilo Preguiçoso até gosta dos filmes de Alex Ross Perry, apesar de todos,
sem excepção, terem algumas características irritantes. Nos anteriores Listen Up Philip (2014), Queen of Earth (2015) e Golden Exits
(2017), os discursos longos e artificiais das personagens suscitam alguma
exasperação. Her Smell (2018) é um pouco diferente, desde logo por
abordar o universo mais visceral de uma banda punk, enquanto os outros filmes
se organizam em torno de personagens relativamente sofisticadas, com
preocupações de primeiro mundo. Podemos dividir Her Smell em duas
partes: na primeira representa-se a ascensão e a queda da banda e da sua
vocalista (Becky, interpretada por Elizabeth Moss); na segunda, encena-se o
rescaldo deste percurso e um esboço de reabilitação ou reconciliação. Toda a primeira
parte, assentando em dois lugares-comuns já enfadonhos, segundo os quais os artistas
geniais são agressivos, intratáveis e autodestrutivos e as grandes personagens
são selvagens e descontroladas, é bastante cansativa. Tendo em conta que este
perfil já foi explorado até à exaustão, cinco ou dez minutos teriam bastado
para o espectador compreender as personagens e o trajecto destas; esta fase do
filme, contudo, arrasta-se, e a única ideia de cinema que apresenta parece
consistir em mostrar a logorreia insuportável de Becky, em planos próximos e
com a câmara ao ombro. (Note-se que Elizabeth Moss é tão boa actriz, que quase
consegue incutir um certo carácter cerebral ao destempero da protagonista, mas
este bom desempenho não é suficiente para compensar a saturação do espectador.
Sem dúvida, é muito mais difícil e cativante construir uma personagem tímida e
apagada sem escamotear não só a emoção que esta sente, apesar de não a expressar
espalhafatosamente, mas também o seu impacto na narrativa, como, aliás, a
própria Elizabeth Moss faz na série Mad Men, enquanto Peggy Olson –
esta, sim, uma grande personagem.) A segunda parte de Her Smell, apesar
de mais breve, é muito mais interessante do que a primeira. Isto deve-se ao
facto de abordar uma fase menos explorada da história deste tipo de personagem
– o início de uma recuperação ainda duvidosa. A reabilitação da personagem
nunca é descrita como totalmente transfiguradora. Mesmo livre de drogas, a
protagonista continua a ser imprevisível e perigosa, ainda que num registo mais
contido; além disso, não se libertou completamente das crenças e das atitudes
que quase a destruíram. Nunca se sabe em que momento terá uma recaída,
arrastando com ela aqueles que sempre a protegeram. Perto do fim do filme, é
excelente toda a representação dos bastidores do concerto em que o grupo vai
actuar pela primeira vez depois do descalabro, incluindo o suspense e a tensão nervosa
que antecedem a entrada em palco. O pedido de desculpas e a actuação delicodoce
em que todos parecem perdoar-se mutuamente apesar das atrocidades antes cometidas
parecem mais artificiais. Fica-se com a sensação de que o filme teria ganhado
em acabar antes. Em suma, como já vai sendo normal na obra de Alex Ross Perry, um
cineasta que se interessa por personagens desagradáveis, Her Smell exige
alguma paciência do espectador, mas talvez se redima nos momentos mais fortes –
que, curiosamente, são também os seus momentos mais sóbrios, subtis e comedidos.
O Cinéfilo
Preguiçoso regressará em Setembro. Boas férias para todos.