28 de julho de 2019

Her Smell


O Cinéfilo Preguiçoso até gosta dos filmes de Alex Ross Perry, apesar de todos, sem excepção, terem algumas características irritantes. Nos anteriores Listen Up Philip (2014), Queen of Earth (2015) e Golden Exits (2017), os discursos longos e artificiais das personagens suscitam alguma exasperação. Her Smell (2018) é um pouco diferente, desde logo por abordar o universo mais visceral de uma banda punk, enquanto os outros filmes se organizam em torno de personagens relativamente sofisticadas, com preocupações de primeiro mundo. Podemos dividir Her Smell em duas partes: na primeira representa-se a ascensão e a queda da banda e da sua vocalista (Becky, interpretada por Elizabeth Moss); na segunda, encena-se o rescaldo deste percurso e um esboço de reabilitação ou reconciliação. Toda a primeira parte, assentando em dois lugares-comuns já enfadonhos, segundo os quais os artistas geniais são agressivos, intratáveis e autodestrutivos e as grandes personagens são selvagens e descontroladas, é bastante cansativa. Tendo em conta que este perfil já foi explorado até à exaustão, cinco ou dez minutos teriam bastado para o espectador compreender as personagens e o trajecto destas; esta fase do filme, contudo, arrasta-se, e a única ideia de cinema que apresenta parece consistir em mostrar a logorreia insuportável de Becky, em planos próximos e com a câmara ao ombro. (Note-se que Elizabeth Moss é tão boa actriz, que quase consegue incutir um certo carácter cerebral ao destempero da protagonista, mas este bom desempenho não é suficiente para compensar a saturação do espectador. Sem dúvida, é muito mais difícil e cativante construir uma personagem tímida e apagada sem escamotear não só a emoção que esta sente, apesar de não a expressar espalhafatosamente, mas também o seu impacto na narrativa, como, aliás, a própria Elizabeth Moss faz na série Mad Men, enquanto Peggy Olson – esta, sim, uma grande personagem.) A segunda parte de Her Smell, apesar de mais breve, é muito mais interessante do que a primeira. Isto deve-se ao facto de abordar uma fase menos explorada da história deste tipo de personagem – o início de uma recuperação ainda duvidosa. A reabilitação da personagem nunca é descrita como totalmente transfiguradora. Mesmo livre de drogas, a protagonista continua a ser imprevisível e perigosa, ainda que num registo mais contido; além disso, não se libertou completamente das crenças e das atitudes que quase a destruíram. Nunca se sabe em que momento terá uma recaída, arrastando com ela aqueles que sempre a protegeram. Perto do fim do filme, é excelente toda a representação dos bastidores do concerto em que o grupo vai actuar pela primeira vez depois do descalabro, incluindo o suspense e a tensão nervosa que antecedem a entrada em palco. O pedido de desculpas e a actuação delicodoce em que todos parecem perdoar-se mutuamente apesar das atrocidades antes cometidas parecem mais artificiais. Fica-se com a sensação de que o filme teria ganhado em acabar antes. Em suma, como já vai sendo normal na obra de Alex Ross Perry, um cineasta que se interessa por personagens desagradáveis, Her Smell exige alguma paciência do espectador, mas talvez se redima nos momentos mais fortes – que, curiosamente, são também os seus momentos mais sóbrios, subtis e comedidos.

O Cinéfilo Preguiçoso regressará em Setembro. Boas férias para todos.