Se fizermos as contas, o Cinéfilo Preguiçoso já escreveu sobre cinco filmes de François Ozon e segue a obra deste realizador desde Sob a Areia (2000) e Swimming Pool (2003), duas longas-metragens que suscitam um fascínio que se vai aprofundando ao longo dos anos. Nos melhores filmes de Ozon, há muitas vezes uma dimensão deceptiva: não se percebe imediatamente que história está a ser contada. Saímos do cinema a achar que vimos uma coisa e só quando começamos a pensar compreendemos que afinal há elementos em que não reparámos logo. Ozon é exímio na subversão discreta das convenções dos vários géneros cinematográficos que tem explorado, do musical ao thriller. À superfície, Quando Chega o Outono (2024, visto em sala) é um filmezito realista e simples, sobre uma senhora idosa (Hélène Vincent) vagamente suspeita e misteriosa, que vive numa aldeia da França profunda e tem uma filha (Ludivine Sagnier), problemática e hostil, e um neto amoroso. Com o tempo, no entanto, vamos percebendo como neste filme se cria uma estranha família de três, numa casa de uma floresta onde é sempre Outono e há cogumelos venenosos, fantasmas, segredos escabrosos e, no fim, uma Branca de Neve ou Bela Adormecida. Ninguém é exactamente o que parece ser e algumas personagens podem saber bem mais do que revelam. A história progride através de acidentes, da força dos desejos mais ou menos inconscientes das personagens, dos primeiros sinais de senilidade da protagonista, ou de crimes e estratagemas através dos quais se descartam pais e mães imperfeitos? Talvez a estranheza maior deste filme seja ter uma protagonista dúbia, que comete erros, mas, apesar de nunca se sentir culpada, não é castigada. Pelo contrário, é-lhe permitido corrigir os elementos insatisfatórios da sua vida e concretizar os seus desejos, mesmo que para isso seja preciso sacrificar outras personagens. Nem sempre se percebe como ela consegue levar avante as suas intenções: por vezes, ocorrem hiatos bruscos que dão um contorno ainda mais enigmático à personagem. Como os contos de fadas, Quando Chega o Outono tem um final feliz, mas, ao contrário dos contos de fadas, não transmite lições de moral. E, já que falamos de cogumelos, talvez seja interessante recordar também o excelente Linha-Fantasma (Paul Thomas Anderson, 2017), um filme que, à sua maneira ambígua, também funciona como um conto de fadas com alguns elementos inesperados, entre os quais um jantar com cogumelos perigosos.
Outros filmes de François Ozon no Cinéfilo Preguiçoso: Verão de 85 (2020); O Amante Duplo (2017); Frantz (2016); Uma Nova Amiga (2014); 5 x 2 (2004).