Outros filmes com realização ou argumento de David Mamet: House of Games (real. David Mamet, 1987); Glengarry Glen Ross (real. James Foley, 1992); The Spanish Prisoner (real. David Mamet, 1997).
26 de setembro de 2021
O Veredicto
19 de setembro de 2021
Acidente
Entre os filmes de Joseph Losey que a RTP passou recentemente, o Cinéfilo Preguiçoso ainda tinha guardado no arquivo Acidente, de 1967. Este filme baseia-se num romance de Nicholas Mosley (1923-2017) com o mesmo título, adaptado por Harold Pinter na sua terceira colaboração (de quatro) com Losey. As outras foram em O Criado (1963), Modesty Blaise (1966) e The Go-Between (1971). A título de curiosidade, saliente-se que tanto Pinter como Mosley têm breves aparições como actores em Acidente. Enquanto o romance de Mosley assenta num relato na primeira pessoa por associação livre, o argumento de Pinter não só não privilegia uma perspectiva de primeira pessoa como também ignora as explicações das motivações psicológicas do protagonista. Deste modo, à superfície, o filme tem um enredo que explora inicialmente um triângulo amoroso que depois se transforma num quadrado, mas os espectadores percebem que as atracções entre as personagens não se processam exclusivamente entre os pólos masculino e feminino, mas também entre as personagens masculinas. Um resumo breve do enredo seria assim: Stephen (Dirk Bogarde), um professor de Oxford casado e à espera do terceiro filho, envolve-se com dois alunos: William (Michael York) e Anna (Jacqueline Sassard). Entretanto, Charley (Stanley Baker, que desempenhou o papel de protagonista em Eva), colega de Stephen em Oxford, também se envolve com Anna. O filme começa com um acidente de automóvel em que William morre, voltando depois ao início da história, mas apoiando-se numa cronologia fluida, que nem sempre nos permite perceber o que aconteceu antes ou depois. No fim, ouve-se outra vez o ruído de um acidente, o que sugere que estamos todos, espectadores e personagens, presos numa narrativa circular de que não conseguimos sair. Sem a manipulação explicativa de primeira pessoa, a personagem feminina parece funcionar como uma espécie de lugar seguro para a atracção e as tensões entre os homens se expressarem. Anna, aliás, tem um comportamento muito parecido com o do próprio protagonista, na medida em que se relaciona com vários homens sem nunca demonstrar grande ligação com eles, tal como o protagonista se relaciona com várias mulheres sem demonstrar afecto por elas. Poderíamos até considerá-la um duplo do protagonista. Os numerosos enquadramentos através de portas e janelas sugerem que as próprias personagens estão sempre a representar. A composição dos planos de Losey obriga os espectadores a estarem concentrados, para perceberem, entre tantos elementos presentes, a quais devem prestar mais atenção. Os diálogos de Pinter são tão lacónicos e concisos que quase impõem a necessidade de se reflectir sobre eles para se confirmar se algum significado importante não terá escapado. Uma das sequências mais interessantes do filme – a da tarde passada no jardim da casa de Stephen, com todas as personagens na relva – terá depois uma espécie de desenvolvimento no filme Providence (1977), de Alain Resnais, em que Dirk Bogarde também participa como actor. No filme de Resnais, a sugestão de que o enredo era fruto da imaginação de um escritor (John Gielgud) era muito explícita. Em Acidente, isso não passa de uma sugestão fugaz: durante essa tarde de convívio, Charley, que está a escrever um romance, comenta qualquer coisa como: “Escrever ficção é fácil. Por exemplo, olhando para as pessoas aqui presentes, bastaria descrevermos as histórias de que são personagens.” Pouco depois, no mesmo dia, passeando com Anna no bosque adjacente à casa, Stephen recomenda: “Cuidado com essa teia de aranha.” É isso que Losey e Pinter fazem em O Acidente: chamam a atenção para as teias de aranha em que as pessoas estão presas e que as obrigam a representar.
12 de setembro de 2021
Happy Hour
5 de setembro de 2021
O Segredo da Câmara Escura | First Cow
Um dos prazeres dos cinéfilos que as pandemias e plataformas de streaming prejudicam gravemente é a surpresa de encontrar filmes interessantes em sítios ou horários ligeiramente inesperados. Foi o que aconteceu recentemente ao Cinéfilo Preguiçoso. O Segredo da Câmara Escura (Kiyoshi Kurosawa, 2016) escapava-lhe desde 2016, mas num dia destes passou nada mais, nada menos do que na CMTV. Por sua vez, First Cow (Kelly Reichardt, 2019) estreou há alguns meses em Portugal, mas foi só numa sessão do Nimas ao meio-dia num domingo que o Cinéfilo Preguiçoso o conseguiu ver. Em O Segredo da Câmara Escura conta-se a história de um fotógrafo de moda famoso, mas obcecado com a morte da mulher, que usa a filha como modelo para criar daguerreótipos, uma técnica antiga que obriga quem é fotografado a ficar imóvel durante muito tempo. O filme oscila entre duas dimensões que nunca consegue harmonizar eficazmente. Por um lado, temos uma atmosfera próxima do filme de terror, género a que o realizador está bem habituado, com uma casa decrépita e labiríntica, um estúdio de fotografia sombrio, uma estufa antiga, vultos estranhos percorrendo os espaços, mentiras, coexistência de mortos e vivos; por outro, cultiva-se um registo realista, com um drama em que intervêm consultores imobiliários que querem comprar a mansão do fotógrafo. É um filme frio, que parece incapaz de penetrar e explorar não só o ardor das personagens mas também a ideia de eternidade que estas pretendem alcançar através das imagens. Quanto a First Cow, baseado no romance The Half-Life, de Jonathan Raymond, explora um episódio em torno da primeira vaca transportada para a região do Oregon, na década de 1820, a pedido de um chefe de entreposto inglês que sentia falta de leite no chá. Narrado em tom aparentemente menor, este fait-divers é o ponto de partida para um estudo do período de exploração do Oeste americano. Esta época costuma ser descrita em tom épico e heróico, mas Reichardt não cai nessa armadilha e prefere prestar atenção a anti-heróis, personagens supostamente insignificantes que se esforçam por sobreviver entre o caos, as terras inóspitas e a ganância e violência humanas. Alguns críticos chamaram a atenção para os paralelos que é possível traçar entre a sociedade retratada no filme, onde não existe uma verdadeira noção de comunidade e as pessoas protegem apenas os seus interesses individuais, e a sociedade americana contemporânea. A colaboração entre Reichardt e Raymond, como argumentista ou autor de textos adaptados pela realizadora, tem sido uma constante, dando origem a filmes como Old Joy (2006), Wendy and Lucy (2008), O Atalho (2010) e Night Moves (2013). A atenção à natureza, o ritmo lento e o tom menor de First Cow aproximam-no bastante de Old Joy, talvez o seu melhor filme, sendo também três das características que distinguem e tornam única a obra de Reichardt, sobretudo dentro do cinema americano, mas também fora dele. Por estes motivos, First Cow é uma experiência cinematográfica invulgar, apesar de ter alguns pontos fracos, como uma dimensão narrativa demasiado ilustrativa e o carácter rudimentar e grosseiro da maior parte das personagens. Um factóide, para terminar: este é o trecentésimo post do Cinéfilo Preguiçoso; de modo algum desperdiçaríamos a oportunidade de usar este numeral ordinal tão injustamente ignorado por aí.
Ler também: Certain Women (Kelly Reichardt, 2016).