Nos filmes de Hong Sang-Soo, é frequente encontrarmos personagens dependentes das opiniões alheias e indecisas quanto ao rumo a dar às suas vidas. Em Apresentação (2021), um dos dois filmes deste realizador estreados recentemente em sala, o protagonista é um jovem que hesita entre estudar no estrangeiro ou dedicar-se ao teatro. Essa decisão será condicionada pelas suas relações com o pai, com a namorada e com a mãe, mostradas de forma elíptica em cada uma das três secções deste filme com pouco mais de uma hora de duração. Não ficamos a saber qual será a decisão do jovem. Como costuma acontecer nos filmes de Hong, há pormenores formais e estruturais que podem sugerir uma resolução do enredo e dos conflitos emocionais das personagens, mas não são explícitos. O filme acaba com um abraço entre o jovem e um amigo que tenta aquecê-lo depois de um banho de mar que o deixou transido de frio. As secções anteriores também encerram com um abraço, mas este acontece depois de uma discussão sobre a seriedade e a autenticidade do acto de abraçar alguém, no contexto da representação teatral. Ainda que este abraço possa ter a mesma validade e intensidade para as personagens, o espectador vê-o de forma diferente. Dentro da filmografia de Hong, já de si caracterizada pela economia de meios e pela aposta na alusão em detrimento da explicação, Apresentação destaca-se por ser particularmente esparso e minimalista. Para perceber se se trata de uma nova tendência na obra deste cineasta, o Cinéfilo Preguiçoso gostava de ter visto também Perante o Teu Rosto (2021), mas não conseguiu, porque esteve pouco tempo em cartaz, num só cinema, e em horários pouco apropriados à vida de quem tem de trabalhar. (Será que esta situação beneficia os espectadores?) Sendo assim, para complementar a Double Bill de Hong Sang-Soo, teve de recorrer aos DVD. Em Our Sunhi (2013), temos mais uma vez uma personagem – recém-graduada de uma escola de cinema – prestes a mudar de vida, mas enredada numa teia de opiniões alheias sobre o seu carácter. Estas opiniões, dispensadas prolixamente por três homens que têm, ou tiveram, interesses românticos por ela, traduzem-se em cartas de recomendação de um ex-professor e em declarações emitidas durante conversas, quase sempre sob influência do álcool. Os elementos formais predominantes são as repetições e redundâncias, que acabam por esvaziar de conteúdo os juízos de valor das personagens masculinas, deixando Sunhi sozinha, talvez finalmente convencida de que terá de “escavar bem fundo” para se conhecer melhor e perceber aquilo de que é capaz – um dos conselhos de utilidade duvidosa que são repisados pelos interlocutores. Ao contrário de Oki em O Filme de Oki (2010), aliás interpretada pela mesma actriz (Jung Yu-Mi), Sunhi não ganha voz própria para reflectir sobre o que lhe aconteceu. Tal como em Apresentação, cabe ao espectador completar o percurso da personagem. Hong nunca, ou raramente, oferece soluções para as personagens, preferindo mostrar-nos um percurso susceptível de os libertar e de os fazer ver de forma mais clara os problemas que os atormentam, equipando-os para enfrentar o resto da vida. Esta abordagem, que pode parecer distante e carente de empatia, proporciona, bem pelo contrário, uma proximidade tocante de que muito poucos realizadores são capazes. Hong Sang-Soo ganhou o Leopardo de Prata de melhor realizador no festival de Locarno e o Urso de Prata para melhor argumento no festival de Berlim por Our Sunhi e Apresentação, respectivamente.
Outros
filmes de Hong Sang-Soo no Cinéfilo Preguiçoso: A Virgem Desnudada pelos Seus Pretendentes (2000); Conto de Cinema (2005); Mulher na Praia (2006); O Filme de Oki (2010); The Day He Arrives (2011); Haewon e os Homens (2013); Right Now, Wrong Then (2015); On the Beach at Night Alone (2017); O Dia Seguinte (2017); Hotel à Beira-Rio (2018); A Mulher que Fugiu (2020).